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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Coletes amarelos vistos por uma brasileira


O que está acontecendo na França ? Como você vê essa situação dos coletes amarelos ? Lá se vão mais de 9 anos de França, o país onde eu escolhi viver e fundar minha família. Vou tentar responder a essas duas questões, mas deverei me alongar em alguns pontos para que não haja mal entendidos.

O governo de Emmanuel Macron chegou ao poder em 2017 após uma séria crise política dos partidos tradicionais franceses. Ele teve a sacada de criar seu próprio movimento (En Marche) que se autointitulava de centro. Num país onde os partidos tradicionais sempre estiveram polarizados, a proposta de Macron soou como uma luz no fim do túnel para muita gente. Porém é preciso ressaltar que Macron, apesar de eleito, contou muito mais com votos contra o Rassemblement National (antigo Front National) partido da extrema direita com quem concorreu no segundo turno do que realmente votos de adesão a suas propostas. Mas o cara foi eleito, aos 39 anos de idade, tendo uma experiência muito pequena na vida política até então. 1 ano e meio depois do início do seu mandato estoura o movimento dos « coletes amarelos ».

Vale lembrar que não é a primeira onda de protestos deste governo. De março a junho de 2018 tivemos a greve dos ferroviários que manifestaram contra reformas do governo na estatal francesa. Em julho do mesmo ano houve um escândalo com um dos guarda-costas de Macron (Alexandre Benalla). Em setembro deste ano houve uma grande onda de pedidos de demissões vindos dos ministros do governo, sendo a do ex-ministro do Meio Ambiente, Nicolas Hulot, foi uma das que mais repercutiu. Então Macron começou o ano (aqui na França o ano letivo e todas as atividades do país começam em setembro, logo após as férias escolares estivais) com uma popularidade bem baixa. Mas ele sempre pôde contar com Edouard Philippe, primeiro ministro francês que sempre foi mais popular que o presidente.

Ok. Contexto dado vamos aos fatos.

O uso dos coletes amarelos por este movimento vem de 2 coisas bem simples : 1) a grande visibilidade que este colete dá às pessoas que o vestem ; 2) o fato de ele ser obrigatório para motociclistas e representar assim a pauta inicial das manifestações em relação à alta do preço dos combustíveis. Essa taxa, que foi suspensa na última quinta-feira e que deveria entrar em vigor no próximo mês, foi a gota d’água que faltava para terminar de desabar o governo Macron. O presidente é acusado de ser arrogante, frio e de fazer política para uma elite financeira no país. Porém, essa elite é minoria. A grande maioria das pessoas, trabalhadores, pais e mães de família, estudantes têm visto nos últimos anos (isso é importante para entender as coisas. Há tempos que uma camada grande da sociedade vive precariamente. Não é apenas de agora e Macron não é o único culpado) as condições de vida (acesso a educação, saúde, acesso a bens e serviços etc) caírem drasticamente. Macron suprime o ISF (Imposto sobre a Fortuna), mas cria uma taxa sob os combustíveis para financiar a conversão ecológica (que tem sim que acontecer, gente ! Pelo amor Deus pensar que mudanças climáticas é teoria conspiratória !!) sem que para isso haja medidas de acompanhamento social para esta reconversão. O sentimento de injustiça é sentido por quase toda a população. Liberté, egalité, fraternité. Isso é muito presente nas mentalidades francesas. É pra ter igualdade, mas o que se vê é cada vez mais grandes metrópoles ricas, avançadas e cidades do interior pobres e abandonadas. Os coletes amarelos repetem há quase um mês : « Você está preocupado com o fim do mundo ?! Nós estamos preocupados com o fim do mês !! » E isso é mais do que legítimo. Essas pessoas não se sentem representadas pelos políticos que estão no poder e nem pelas instituições tradicionais. Essas pessoas estão cansadas e de saco cheio. E elas têm razão !

Pela primeira vez na história do país um movimento surge de forma espontânea, é através das redes sociais que essas pessoas encontram apoio e conseguem se organizar. Não há líderes, não há sindicatos, não há partidos políticos. Isso não significa que não haja pessoas que não se aproveitem da situação. Não sejamos ingênuos... Mas de repente o governo se vê diante de uma massa de pessoas, crescente, que encontra muito apoio popular e não sabe com quem eles devem tentar conversar. A questão toda é que a situação como ela se apresenta é incompatível com o sistema político verticalizado. As pessoas querem poder decidir também, elas querem que as coisas sejam horizontais e não verticais. E é aí que as coisas se complicam.

A onda de violência do último fim de semana em Paris que parece querer se repetir amanhã, já extrapolou as pautas iniciais do movimento. As pessoas estão querendo resolver tudo que não funciona bem há anos num estalar de dedos. Porém não é tão simples assim. Acho que nessa história toda a coisa boa é que uma parte da população e da classe política estão descobrindo que a França é um país rico, mas que há muitos pobres e são esses pobres que fazem o país acordar cedo todos os dias e as coisas funcionarem corretamente.

Pois é ! Essa galera se cansou e agora é preciso acalmá-los.