Procurando

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Tant de belles choses

E eu pensei que ela fosse estar aqui. Quando me deitei ontem fiquei imaginando que ao acordar a dor teria ido embora e que finalmente ela pudesse aparecer, porém abro os olhos e tudo continua absolutamente do mesmo jeito: as roupas jogadas em um canto do quarto, a pilha de livros que fiquei relendo até tarde, algumas garrafas de cerveja. E este tom acinzentado: sempre o mesmo há anos.



A princípio achei que fosse transitório, que o tempo se encarregaria de fazer com que as coisas fossem verdes novamente. E ela dá aquela gargalhada gostosa quando me olha nos olhos e diz que o mundo é verde. No início eu me sentia incomodado de me ver tão nítido naqueles olhos castanhos, depois fiquei lisonjeado. 





Há um barulho lá fora no corredor. Preciso me levantar, descer o lixo... mas nada mais quero fazer pois continuo sozinho. Ah, solidão! Parecia algo tão seguro, tão certo. Não tive dúvidas ao renunciar o outro. 22 anos e eu era capaz de mudar o mundo. Não precisava de ninguém, não queria precisar de alguém. E esta dor nos ombros... o arrependimento é um fardo pesado e eu não posso simplesmente deixá-lo de lado. É presença constante, é parte de mim. Talvez se eu voltasse a dormir as coisas poderiam mudar e ela teria tempo de reaparecer.



Quando ela surgiu pela primeira vez não soube reconhecê-la. Pareceu-me tão improvável que ela pudesse estar ali ao meu lado. Era tão simples. Já ouvira tantos divagarem a seu respeito. Entretanto eu podia vê-la, senti-la, tocá-la... ah, Felicidade! Chega a encher a boca. Fe-li-ci-da-de cabe na palma da mão. E eu a agarrei com uma força que meus frágeis braços desconheciam até então. E de repente a busca cessou e eu pude respirar aliviado. Respirava e seguia o ritmo da música.



Tudo em volta estava disforme e eu só conseguia distinguir aquele par de olhos pequeninos que me encaravam, pediam, suplicavam que eu não me fosse. Mas por que eu me atreveria partir? Quando ela foi embora achei que não estava indo por mais que eu tivesse pedido justamente aquilo. Ela poderia entender. Ela sempre entenderia e estaria lá sorrindo na volta. Não pude continuar, pois com a distância eu já não era tão forte.



Preciso ser forte. É isso que todos esperam. As expectativas ali, sem um minuto de trégua. Ela entenderia, eu repeti como um mantra, repeti até cobrir a dor. E era simples não sentir nada. Só bastava me esconder por detrás das minhas certezas. Ah, coisa louca esta de sentir.



Sempre fui tão cauteloso, media palavras, lia vidas e vivia com racionalidade. Diziam que eu sempre era tão misterioso e me agradava me ver com os olhos alheios. Discutia Sartre, Foucault, Camus e ela com os olhinhos brilhando atenta a todas as teorias... delirava de prazer quando eu dizia em francês o que parecia ser muito em português “Je t'aime, Ma Chérie! Je t'aime bien, je t'aime fort...”. Teorizávamos por horas, queríamos mensurar nosso amor, nos convencer de que éramos completamente práticos, vivíamos no limite da razão, porém nada fazíamos além de teorizar.



Aquela sede contagiante pelo novo me embriagou e quando ela dizia que podíamos fazer daquele jeito ou viver daquela maneira meus medos se esvaíam e eu podia me perder em todos aqueles sentimentos. Condenei-me várias vezes por achar que este Amor é uma fuga, mas quem sou eu para dar o veredito? Sim, Amor com letra maiúscula. Amor que parece ser tão simples – ah, e como era simples, Meu Deus!- porém, podia sim renunciá-lo. Tinha o mundo aos meus pés e caminhar sozinho era tão mais conveniente. “Quem foi que disse que é impossível ser feliz sozinho?” Os meses passavam com uma velocidade incrível e eu me sentia livre, vivo. O vento gelado e seco do inverno acariciava-me o rosto e dizia-me que o amanhã não era o limite. Não havia limites.



Voltei daquela viagem com meus companheiros. Não a conhecia muito bem e a impressão é que partilhávamos toda uma existência juntos. Por mais de uma vez me forcei a ver o preto no branco. Não fantasiei, mas não sabia como parar de sonhar. Um medo (sentimento traiçoeiro e companheiro de outras jornadas) constante de não ter controle da situação.



Hoje vivo de lembranças vazias. Não me restou muito.

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