Procurando

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O presente morreu

Estava se livrando, se refazendo. Partindo do zero com o passado intacto no fundo das caixinhas de cores vivas que guardam doçuras, amarguras. Queria que não tivesse tanta importância, mas a memória reconta sorrisos e lágrimas já perdidos no tempo. Essa foi ela ou a que pensava ser naquele momento em que estava tão... alegre? Não saberia entender, porém queria beber-se neste líquido já perdido no esquecimento. Era uma dor muda e ela sempre calada. Arrastava-se ao longo dos dias (anos?) carregando o fardo do cotidiano. Quem era esta refletida no espelho? Não mais se reconhecia, faltava-lhe aquela que fora outrora ou a que nunca chegou a ser, talvez. Mas ela podia ver naqueles retratos toda sua vontade de viver. Onde se perdera? Como desviara-se do seu caminho? Haveria algum? Precisava se livrar daquele peso, soltar-se das amarras do conformismo. Não havia imaginado isso para si. Não!




A campainha toca. Não! Não atenderá. Apenas hoje. Ninguém pode vê-la neste estado. Nua, indefesa, com a alma na mão. A verdade não precisa ser mostrada. Estava cansada de todos, de si e daquele sorriso já petrificado no rosto. Pronto. Desistiram. O silêncio ensurdecedor de si mesma paira novamente no ar. Quem poderia ser? Quase onze horas e havia o almoço para ser feito. Não o faria, apenas hoje. Mas perguntariam o motivo e ela deveria se explicar. Não pode explicar-se e alguém de certo saberia fazê-lo. Feliz daquele que há as respostas. Onze horas... foi até a janela e desvencilhou seu olhar das grades. Não tardaria e ela já apareceria. Sim, pois ela nunca deixava de vir. Havia apenas duas semanas, quase três, não estava certa, que seus dias eram consumidos pela esperança de presenciá-la: a cena, quinze segundos de pura magia.




Era uma cena estranhamente encantadora: os pés dançavam ao ritmo do outono. As folhas secas retorcidas no chão deixavam de ser paisagem. Ela corria e, sem hesitar, seus pés as esmagavam. Da janela ela podia sentir as folhas cederem ao peso daquele corpo. Os passos iam se alternando e seu solo tinha um ritmo próprio e uma técnica única. Queria gritar, chamá-la e talvez conversar, não saberia o que falar, nunca o sabia. E então o espetáculo chegava ao fim quando por uma fração de segundos uma fina linha, muito discreta era desenhada pelos lábios de ambas. Sim! E neste momento eram apenas uma: passado e presente se fundindo. Um sorriso morno, gozoso, aconchegante. Um pulo. Que susto! O telefone toca. Deveria atendê-lo? Pode ser importante, talvez as crianças. Sim? Não, sinto muito. Era engano, sua vida era um grande engano.




Voltou para o sofá. Havia muito ainda há ser feito e agora se arrependera de toda aquela tralha. Não se deve remexer no passado, mas ela não sabia mais onde procurar as respostas. Que tolice pensar que poderia mudar as coisas. Guardou tudo novamente no fundo das caixinhas coloridas, ao menos lá ela estava feliz.



2 comentários:

  1. Oi Lara:
    Ainda bem que vc resolveu colocar pra fora o que escreve...
    Porque vc escreve muito bem!
    Adorei o blog.
    Passarei mais vezes.
    bjs
    tereza

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  2. Obrigada, Tereza!
    Sempre bem vinda por aqui.

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